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A reparação por danos morais: dicotomia entre o valor da indenização e a crise econômica decorrente da pandemia

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Opinião 56
Opinião 56

POR NIKOLAS MIGUELLES RODRIGUES – ADVOGADO, ESPECIALISTA EM DIREITO DO TRABALHO E PREVIDENCIÁRIO, ATUANTE NA ÁREA DE DIREITO DO CONSUMIDOR

A pandemia de coronavírus trouxe mudanças em todas os setores econômicos, além de imensuráveis prejuízos. Diversos setores buscaram adaptar as suas formas de negócio, com o intuito de se adequarem à demanda dos consumidores, aderindo ao ramo do e-commerce.

Tais alterações abruptas nas relações entre prestadores de serviços e consumidores trouxeram dificuldades, como o aumento massivo de fraudes e golpes digitais, diante de um caráter de hipervulnerabilidade do consumidor no meio da internet. Sem solução amigável, surge o processo judicial para a pacificação das relações.

Visando a resolução dos conflitos, o Poder Judiciário utiliza-se de critérios para fixar uma reparação pelos eventuais danos sofridos pelo consumidor.

O dano moral ou extrapatrimonial ocorre quando ao consumidor é infligido sofrimento, vexame, ou humilhação que, distanciando-se da normalidade, acaba alterando o comportamento psicológico do indivíduo, de modo a atingir sua integridade moral, em afronta ao que consta do art. 5º, inciso X, da Constituição Federal.

Em grande parte das relações consumeristas, o dever de indenizar se dará independente da comprovação de dolo ou culpa (responsabilidade objetiva) bastando que estejam presentes os requisitos configuradores da responsabilidade civil, quais sejam: a) existência de ação, comissiva ou omissiva; b) ocorrência de dano; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação.

Assim, configurado o dano no caso concreto, cabe ao Juiz arbitrar um valor indenizatório justo e proporcional ao ilícito praticado. No Ordenamento Jurídico Brasileiro, vige o chamado sistema aberto para reparação pecuniária, pelo qual não há um valor mínimo ou máximo para as reparações, e sim uma análise subjetiva do caso concreto e de suas peculiaridades, arbitrando-se um valor de indenização que amenize a ofensa imputada ou até mesmo a satisfaça, bem como coíba o ofensor de reincidir na prática do mencionado ato lesivo.

Em 06 de fevereiro de 2020, foi promulgada a Lei 13.979/2020, vigente até a presente data, a qual dispõe sobre a emergência de saúde pública decorrente da pandemia. No caso de calamidade pública, como o presente, alguns dispositivos legais preveem diferentes tratamentos, se comparados à situação normal.

Este é o caso do Código de Defesa do Consumidor, o qual dispõe que “São circunstâncias agravantes dos crimes tipificados neste código:  I - serem cometidos em época de grave crise econômica ou por ocasião de calamidade;”. Nesse aspecto, surge a influência do cenário econômico acarretado pela pandemia.

Apesar de não haver tal critério no sistema aberto de indenização, o aspecto econômico ganha destaque na fixação das reparações, podendo o Julgador se valer dessa situação para diminuir o valor do dano de acordo com eventuais dificuldades financeiras do agente causador ou até de seu ramo de negócio, reconhecendo a sua necessidade de sobrevivência em um contexto de crise global.

Tem-se, como exemplo dessa problemática, as ações judiciais reparatórias movidas contra empresas do ramo de transporte aéreo, um dos mais afetados pela pandemia de COVID-19.

No âmbito nacional, verifica-se que o Poder Judiciário busca diminuir o patamar arbitrado a título de indenização para as empresas de transporte aéreo. Trata-se de opção jurisprudencial controversa, pois a prática de ilícito civil, em épocas de calamidade pública, poderia sofrer uma sanção mais relevante. Ademais, o Código Civil prevê que a dosimetria do quantum indenizatório é o sopesamento da extensão do dano (art. 944), de modo a não tratar da situação econômica do agente causador.

Ainda, no âmbito do legislativo, foi promulgada a Lei nº 14.034/20 que, muito além de tratar de uma diretriz indenizatória, busca modificar a reparação a falha da prestação de serviços de empresas aéreas, dispondo que “a indenização por dano extrapatrimonial em decorrência de falha na execução do contrato de transporte fica condicionada à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e de sua extensão pelo passageiro ou pelo expedidor ou destinatário de carga.”

Antes de mais nada, o dispositivo legal busca restringir a configuração do dano moral no contrato de transporte, uma vez que exige a demonstração efetiva do prejuízo e de sua extensão. Essa previsão entra em conflito com o entendimento do Poder Judiciário, o qual entende que a comprovação dos danos morais deriva da mera existência da falha da prestação dos serviços, presumindo-se a ocorrência do prejuízo.

Não obstante, o cenário econômico direta ou indiretamente influenciará a sociedade como um todo, e não é diferente no Direito do Consumidor. Sim, admite-se que a indenização por danos extrapatrimoniais pode buscar critérios balizadores, porém não se pode concordar com o sacrifício da subjetividade inerente à essa espécie de reparação, sob pena de não se reparar adequadamente o consumidor e não se atingir a pacificação social, razão de ser do Poder Judiciário.

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