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Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos
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Como que em uníssono se vem clamando, de distintos quadrantes, por uma ordem nova em decorrência da pandemia

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ProconRS entrevista parte IV
ProconRS entrevista parte IV

 

ESDC Entrevista, em sua edição de nº 4, segue as conversas sobre a pandemia e as relações de consumo, com o fim de tentar entender, com o auxílio de especialistas, os impactos na nossa vida de consumidores e os possíveis reflexos nos nossos direitos e na defesa deles, nos nossos hábitos e comportamentos, nas práticas de mercado. Um panorama do presente e o que pode vir pela frente. 

O entrevistado da vez é o professor angolano Mario Frota, fundador e primeiro presidente da IACL – Associação Internacional de Direito do Consumo, fundador e presidente do ILBDC – Instituto Luso Brasileiro de Direito do Consumo, fundador e director do CEDC – Centro de Estudos de Direito do Consumo – de Coimbra.

O ilustre professor nos traz um rico apanhado sobre as medidas adotadas em Portugal – onde reside – para combater a pandemia, tendo por pilares confinamento obrigatório, dever especial de proteção e dever geral de recolhimento domiciliar. Quanto aos efeitos causados nas relações de consumo, listou o deslocamento dos cidadãos (em especial por via aérea), os serviços públicos essenciais (entre eles água, energia elétrica, gás natural, comunicações eletrônicas), locação imobiliária, compromissos creditícios (crédito hipotecário e ao consumo em geral), detalhando cada uma delas. Há, por exemplo, Decreto-Lei em que o legislador “previu a hipótese da adoção de medidas de contenção e limitação do mercado, de fixação de preços máximos, de limitação de margens de lucro, de monitorização de produtos em depósito e das quantidades produzidas, e de isenção do pagamento de taxas para os operadores econômicos que operem em situações emergenciais. ”

Sobre a questão do monitoramento de dados da população, informou que a Comissão Europeia concedeu uma semana para que os Estados-membros da União Europeia desenvolvam “uma ‘abordagem comum’ no rastreamento de dados pessoais anonimizados, para assim ajudar a conter a evolução da pandemia do novo coronavírus e também promover o distanciamento social. ” Disse, ainda, que espera que a Comissão Nacional de Proteção de Dados exerça seu papel, freando usos que firam liberdades individuais.

Em relação às dificuldades a serem enfrentadas pelo consumidor, teme pela tutela de sua posição jurídica, por governos que cedam perante a pressão das empresas.

Por fim, entende que os clamores por uma nova ordem terão necessariamente que lidar com um cenário de pessoas com poder de compra reduzido, desempregados, egoísmo, e ausência de mea culpa que poderia surgir em uma “quarentena reflexiva. ”

 

ESDC: Professor, nossa conversa é sobre os impactos da pandemia nas relações de consumo, mas, inicialmente, pergunto como está a situação em geral no país, qual linha de atuação tem seguido as autoridades, como tem sido tratada a questão do isolamento social. Nos dê um panorama geral sobre isso.

Mario Frota: Quadro global – dados reportados a 24 de abril em curso (últimos disponíveis)

 

Suspeitos – + - 220 000

Confirmados –  22 797

Recuperados –    1 228

Óbitos –                 854

 

Há, porém, dúvidas em torno da fidedignidade dos n.ºs veiculados.

A situação continua a ser preocupante.

 

De início desvalorizou-se o efeito da epidemia, já que os responsáveis pela Saúde Pública consideravam remota a hipótese de Portugal vir a ser atingido pela epidemia que grassava na China mercê da distância geográfica entre Wuhan (a região zero) e o País mais ocidental da Europa. 

A seguir, sobreveio enorme alarme com uma projeção ensaiada pela Diretora-Geral da Saúde que a todos estarreceu e de que a comunicação social de referência se fez eco: que a contaminação atingiria 70% da população. 

Depois, timidamente, a princípio, como transpareceu, se delineou o quadro logístico que importaria preencher para acudir às vítimas da temida catástrofe: com camas ajustadas, a seu modo, às previsíveis necessidades e os acessórios indispensáveis.

As provisões em equipamentos de proteção individual (máscaras cirúrgicas, FFP2, FFP3, toucas, viseiras e ventiladores (respiradores) tardaram. E as insuficiências persistem por inadimplemento dos fornecedores ou errôneas previsões. Tem-se vindo, porém, a operar uma gradual adaptação das potencialidades nacionais, a nível de instituições científicas e do tecido industrial, às necessidades que se vêm experimentando.

Tanto que a eventual reconversão do sector têxtil pode vir, como se afiança em círculos privilegiados, a suprir as necessidades em máscaras do Mercado da União Europeia, que ora é da ordem dos 515 milhões de consumidores.

Estado de emergência decretado, pela vez primeira, em 16 de março pretérito e renovado sucessivamente a 2 e 18 de Abril em curso (com termo a 2 de Maio).

O Decreto de Execução da Declaração do ESTADO DE EMERGÊNCIA, com a chancela do Governo, impôs o isolamento social (que à boca pequena surgia já como diretriz não vinculante, facultativa, pois, em círculos dotados de informação bastante).

E como o estruturou o denominado isolamento interpessoal ou social?

CONFINAMENTO OBRIGATÓRIO

  • Os doentes com COVID-19 e os infectados com SARS-Cov2;
  • Os cidadãos relativamente a quem a autoridade de saúde ou outros profissionais de saúde tenham determinado a vigilância activa.

DEVER ESPECIAL DE PROTECÇÃO

Sujeitos a um dever especial de protecção passaram a estar:

  • Os maiores de 70 anos;
  • Os imunodeprimidos e os portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde devam ser considerados de risco, designadamente os

o   hipertensos,

o   diabéticos,

o   doentes cardiovasculares,

o   portadores de doença respiratória crónica e

o   doentes oncológicos.

Os cidadãos sujeitos a um dever especial de protecção só podem circular em espaços e vias públicas, ou em espaços e vias privadas equiparadas a vias públicas, para algum dos seguintes propósitos:

  • Aquisição de bens e serviços;
  • Deslocações por motivos de saúde, designadamente para efeitos de obtenção de cuidados de saúde;
  • Deslocação a estações e postos de correio, agências bancárias e agências de corretores de seguros ou seguradoras;
  • Deslocações de curta duração para efeitos de actividade física, sendo proibido o exercício de actividade física colectiva;
  • Deslocações de curta duração para efeitos de passeio dos animais de companhia;
  • Outras actividades de natureza análoga ou por outros motivos de força maior ou necessidade impreterível, desde que devidamente justificados.

DEVER GERAL DE RECOLHIMENTO DOMICILIÁRIO

Os demais cidadãos (que não abrangidos pelo confinamento obrigatório e pelo dever especial de protecção) só podem circular em espaços e vias públicas, ou em espaços e vias privadas equiparadas a vias públicas, para algum dos seguintes propósitos:

  • Aquisição de bens e serviços;
  • Deslocação para efeitos de desempenho de actividades profissionais ou equiparadas;
  • Procura de trabalho ou resposta a uma oferta de trabalho;
  • Deslocações por motivos de saúde, designadamente para efeitos de obtenção de cuidados de saúde e transporte de pessoas a quem devam ser administrados tais cuidados ou dádiva de sangue;
  • Deslocações para acolhimento de emergência de vítimas de violência doméstica ou tráfico de seres humanos, bem como de crianças e jovens em risco, por aplicação de medida decretada por autoridade judicial ou Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, em casa de acolhimento residencial ou familiar;
  • Deslocações para assistência de pessoas vulneráveis, pessoas com deficiência, filhos, progenitores, idosos ou dependentes;
  • Deslocações para acompanhamento de menores:

o   Em deslocações de curta duração, para efeitos de fruição de momentos ao ar livre;

o   Para frequência dos estabelecimentos escolares e creches;

o   Deslocações de curta duração para efeitos de actividade física (proibido, porém, o exercício de actividade física colectiva);

  • Deslocações para participação em acções de voluntariado social;
  • Deslocações por outras razões familiares imperativas, designadamente o cumprimento de partilha de responsabilidades parentais, conforme determinada por acordo entre os titulares das mesmas ou pelo tribunal competente;
  • Deslocações para visitas, quando autorizadas, ou entrega de bens essenciais a pessoas incapacitadas ou privadas de liberdade de circulação;
  • Participação em actos processuais junto das entidades judiciárias;
  • Deslocação a estações e postos de correio, agências bancárias e agências de corretores de seguros ou seguradoras;
  • Deslocações de curta duração para efeitos de passeio dos animais de companhia e para alimentação de animais;
  • Deslocações de médicos-veterinários, de detentores de animais para assistência médico-veterinária, de cuidadores de colónias reconhecidas pelos municípios, de voluntários de associações zoófilas com animais a cargo que necessitem de se deslocar aos abrigos de animais e serviços veterinários municipais para recolha e assistência de animais;
  • Deslocações por parte de pessoas portadoras de livre-trânsito, emitido nos termos legais, no exercício das respectivas funções ou por causa delas;
  • Deslocações por parte de pessoal das missões diplomáticas, consulares e das organizações internacionais localizadas em Portugal, desde que relacionadas com o desempenho de funções oficiais;
  • Deslocações necessárias ao exercício da liberdade de imprensa;
  • Retorno ao domicílio pessoal;
  • Outras actividades de natureza análoga ou por outros motivos de força maior ou necessidade impreterível, desde que devidamente justificados.

Os veículos particulares podem circular na via pública para realizar as actividades enunciadas no passo antecedente ou para reabastecimento em postos de combustível.

A actividade dos atletas de alto rendimento e seus treinadores, bem como acompanhantes desportivos do desporto adaptado, é equiparada a actividade profissional.

Em todas as deslocações efectuadas devem ser respeitadas as recomendações e ordens determinadas pelas autoridades de saúde e pelas forças e serviços de segurança, designadamente as respeitantes às distâncias a observar entre as pessoas.

Daí emergiu a paralisação da atividade económica em geral com os reflexos na economia familiar.

Já que somente farmácias, estabelecimentos de panificação e confeitarias, e estabelecimentos de distribuição de géneros alimentícios, entre outros serviços públicos de acesso corrente, se acham legalmente em funcionamento.

De momento, parece desenhar-se no horizonte uma ténue linha de recondução a uma normalidade mitigada, mas adensam-se as nuvens e a Corporação dos Médicos de Saúde Pública reage a um levantamento, gradual embora, da situação de confinamento e do termo do isolamento social.

No sopesamento dos interesses as dúvidas persistem e o princípio da precaução recomenda recolhimento.

Mais grave é que se vaticina, a esta distância, a sujeição dos mais idosos, dos indivíduos que se situem no plano etário dos 70 em diante, a permanência ad aeternum em situação de isolamento interpessoal e social ante a susceptibilidade de virem a ser infectados sem apelo nem agravo…

Hipóteses que têm vindo a ser aventadas, tanto no seio das instâncias europeias pelos dirigentes políticos de topo como por entidades da esfera da Saúde Pública que ainda não assestaram diretrizes perante a ausência de evidência científica relevante.

Uma realidade parece insuperável ante os dados disponíveis: foi no agregado de lares de idosos que a razia teve efetiva expressão. E o quadro não se recompôs, pelo contrário: é esse o nicho preferencial das infecções e dos decessos. 

A perspectiva idílica de uns quantos que permitiria antecipar para Maio o regresso a uma gradual normalidade parece não colher, pois, o parecer de muitos dos complicados na gestão de tão aberrante fenómeno. 

A soma de efeitos decorrentes do isolamento e da falência de estímulos a quem tem de acrescentar solidão à solidão torna o quadro ainda mais plúmbeo e os temores sobem de tom, num equilíbrio difícil de se restabelecer. 

Em Itália, o descaso original e a impreparação associada achar-se-ão decerto na génese do descalabro a que se assiste. 

Em França, a reação tardia e a ausência de medidas cautelares originais projetam-se nos preocupantes números quotidiamente apresentados.

Em Espanha, como no-lo asseguram de fontes fidedignas, a incompetência e as tergiversações políticas permitiram se atingisse o quadro sombrio que se nos depara, basto sobrecarregado, que dia-a-dia se adensa.

Países que menorizaram os efeitos catastróficos do vírus são hodiernamente vítimas da sua própria abstração e da ausência de um juízo de prognose face às ocorrências em casa alheia (nem sequer lançaram mão do costumeiro aforismo: “se vires as barbas do vizinho a arder, põe as tuas de molho”)…

Neste caso, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. 

Perante os dados oferecidos quotidianamente à observação de quem quer, haverá que ponderar medidas que permitam articular os distintos interesses em presença, gizando-se as linhas de intervenção adequadas a furtar o mais possível da exposição os cidadãos com a salvaguarda da atividade económica imbricada no sucesso da sobrevivência comum.

 

 

ESDC: Em relação aos primeiros efeitos causados pela covid-19 nas relações de consumo, quais foram elas? O ordenamento jurídico português conta com os instrumentos necessários para contornar essas situações tão excepcionais com as quais nos deparamos?

 

Mario Frota: GENERALIDADES 

Em primeiro lugar, afetadas foram as deslocações dos cidadãos, em particular por via aérea e, em simultaneidade, as excursões de finalistas do ensino pré-universitário, que mobilizam uma imensa mole de escolares durante o período das férias escolares que antecedem as festividades da Páscoa.. 

Depois, no que tange aos serviços públicos essenciais (a saber, o fornecimento de água, energia eléctrica, gás natural, gás de botija, comunicações electrónicas) 

Depois ainda, no que se prende com a locação imobiliária (arrendamento urbano para habitação, como se denomina entre nós). 

Às dificuldades emergentes da satisfação dos compromissos creditícios, em particular dos contratos de

 

  • crédito hipotecário e do

 

  • crédito ao consumo, em geral, que se subdivide em crédito pessoal (educação, saúde…, encargos domésticos…), crédito automóvel e cartão de crédito, linhas de crédito, contas-correntes bancárias… 

No que tange aos bilhetes de passagem, em particular por via aérea, como nos demais meios de transporte, mas em particular no que se reporta aos pacotes de viagens (“voyages à forfait”, “package travels”, viagens organizadas), importa salientar:

O Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março (ratificado pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março) interditou a realização de viagens de finalistas ou similares, determinando que as agências de viagens se obrigam ao seu reagendamento, salvo acordo das partes em contrário.

Contrariando a Diretiva Europeia de Viagens Organizadas de 2015 que obriga ao reembolso do preço sempre que por circunstâncias inevitáveis e excepcionais as viagens se não realizem. Numa contemporização com as agências de viagens e outros operadores que sem prestarem o serviço podem protelá-lo para melhores dias, mas já sem o objeto conferido ao escopo das viagens (de finalistas que o não serão já e que nem sequer desfrutam, no futuro, decerto das condições que, ao tempo, eram as suas).

CONTRATOS DE VIAGENS ORGANIZADAS

No que tange às “viagens organizadas” veio hoje mesmo (23 de Abril em curso) a lume um diploma legal que tende a garantir o funcionamento das agências de viagens e turismo à conta dos esforços das famílias que haviam reservado viagens (dos conhecidos pacotes e ou outras), em claro desequilíbrio relacional e com afronta a instrumentos europeus a que o País deve obediência.

Eis parcialmente as soluções:

“As viagens organizadas por agências de viagens e turismo, cuja data de realização tenha lugar entre o período de 13 de Março de 2020 a 30 de Setembro de 2020, que não sejam efetuadas ou que sejam canceladas por facto imputável ao surto da pandemia da doença COVID-19, conferem, excepcional e temporariamente, o direito aos viajantes de optar:

  • Pela emissão de um vale de igual valor ao pagamento efetuado pelo viajante e válido até 31 de Dezembro de 2021; ou
  • Pelo reagendamento da viagem até 31 de Dezembro de 2021.

O vale (voucher) é emitido à ordem do portador e é transmissível por mera tradição;

Se não for utilizado até 31 de Dezembro de 2021, o viajante tem direito ao reembolso a efectuar no prazo de 14 dias.”

Se, porém, o titular da reserva se achar desempregado o reembolso do preço pago será a solução vertida na lei.

Análogas soluções se ditaram em tema de cancelamento de reservas em empreendimentos turísticos e em estabelecimentos de “alojamento local”.

O que não prima patentemente pelo equilíbrio de posições.

ESPECTÁCULOS

No tocante aos espectáculos, breve referência ao

Decreto-Lei n.º 10-I/2020, de 26 de Março, que estabeleceu medidas excepcionais e temporárias no âmbito cultural e artístico, tendo por base os espetáculos não realizados: temporalmente definidos entre um dies a quo (28 de Fevereiro) e um dies ad quem (até 90 dias úteis após o termo do estado de emergência.

A regra geral estatuída é a do reagendamento do espetáculo.

O espetáculo terá de ocorrer no prazo máximo de um ano após a data inicialmente prevista, admitindo-se a mudança do local, da data (naturalmente, sendo tal alteração o pressuposto do regime) e da hora.

JOGOS E APOSTAS PRESENCIAIS

O Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de Março (diploma de execução da Declaração do Estado de Emergência e, aquando da prorrogação, o Decreto n.º 2-B/2020, de 2 de Abril)

  • proibiu o funcionamento de espaços de jogos e apostas presenciais, conquanto
  • houvesse incluído os “jogos sociais” entre os “bens de primeira necessidade ou outros bens considerados essenciais na presente conjuntura”

REGULAÇÃO DE FORMAS AUTOMÁTICAS DE VENDA

E DA VENDA ITINERANTE

E DE ALUGUER DE VEÍCULOS DE PASSAGEIROS

 

A 23 de Março o legislador, por despacho: 

  • Regulou o funcionamento das máquinas de vending e o exercício das actividades dos vendedores itinerantes e o aluguer, entre outros, de veículos de passageiros, dadas as restrições à circulação automóvel. 

SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS

COMUNICAÇÕES ELECTRÔNICAS

(abordagem preliminar)

O Decreto-Lei n.º 10-D/2020, de 23 de Março, estabelece medidas excepcionais e temporárias no domínio das comunicações eletrónicas: medidas que, no entanto, se nos afiguram não visar uma protecção, ao menos directa, do consumidor, desprotegendo-o até em determinados segmentos, a saber:

  • a suspensão das obrigações de “cumprimento dos parâmetros de qualidade de serviço” e do
  •  “cumprimento dos prazos de resposta a reclamações dos consumidores (e demais utentes), apresentadas através do livro de reclamações, tanto em formato físico quanto electrónico”.

ELECTRICIDADE E GÁS NATURAL

A ERSE, por Regulamento n.º 255-A/2020, de 18 de Março  (Medidas Extraordinárias no Sector Energético por Emergência Epidemiológica), editou normas em tema de interrupção do fornecimento de electricidade e gás natural e do pagamento fraccionado da factura.

A suspensão do fornecimento passará apenas, por facto imputável ao cliente, a ocorrer 30 dias após o prazo geral previsto na Lei dos Serviços Públicos Essenciais, que é, no mínimo, de 20 dias.

Os consumidores terão ainda direito ao pagamento fraccionado do montante da factura, não sendo devidos juros de mora pelos 30 dias de prorrogação concedidos pelo Regulamento.

A 7 de Abril em curso, A ERSE aprovou um novo Regulamento, que prevê, entre outros aspectos, que os prazos de aplicação do regime excepcional estabelecidos no Regulamento supra citado, se prorroguem até 30 de junho de 2020, sem prejuízo de uma nova prorrogação que venha a ser decidida”

Crê-se, porém, que tais medidas avulsas terão sido absorvidas pelas que, em termos algo rombos, a Lei 7/2020, de 10 de Abril, veio a consagrar, numa descordenação e sem um norte que se vislumbre na adopção de medidas de excepção que a ocorrente situação demandará naturalmente.

SERVIÇOS DE INTERESSE GERAL

(SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS)

Pela Lei 7/2020, de 10 de Abril, um cacharolete de  medidas pontuais visando, durante o estado de emergência e no mês subsequente,

  • A garantia de acesso aos serviços essenciais, vedando a suspensão (“corte”) de determinados serviços públicos essenciais, a saber

o   Serviço de fornecimento de água;

o   Serviço de fornecimento de energia eléctrica;

o   Serviço de fornecimento de gás natural;

o   Serviço de comunicações electrónicas.

No entanto, a dar de barato que de uma gralha se tratava, e de modo incompreensível, a não suspensão do serviço de comunicações electrónicas só ocorrerá quando o consumidor se ache em situação de desemprego, quebra de rendimentos do agregado familiar igual ou superior a 20 %, ou por infecção por COVID-19.

Os consumidores em tais situações têm a faculdade de requerer a cessação unilateral dos  contratos de comunicações electrónicas (rompendo, pois, as denominadas fidelizações), sem lugar a compensação ao fornecedor.

A existirem valores em dívida de fornecimento dos serviços enunciados deve ser elaborado um plano de pagamento, de comum acordo, iniciando-se o seu cumprimento no segundo mês posterior ao termo do estado de emergência.

COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS

(A ÓPTICA DA ENTIDADE REGULATÓRIA)

(abordagem subsequente)

Abra-se neste passo um parêntesis para significar que só a 23 de Abril em curso a Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) depositou no Parlamento proposta tendente a reforçar os direitos dos consumidores, a saber,

“…

Tendo em vista a protecção dos interesses dos utilizadores de serviços de comunicações parece-nos dever ser reponderado até que ponto se justifica a definição de um regime mais restritivo para estes utilizadores, em comparação com os utilizadores de outros serviços essenciais.

Enquanto para os utilizadores de comunicações electrónicas se exige que tenham de estar numa situação de desemprego, redução de rendimentos do agregado familiar igual ou superior a 20%, ou por infecção por COVID-19, nos outros serviços públicos essenciais não existe esta exigência.

Em matéria de cessação unilateral dos contratos, em complemento das soluções que se encontram consagradas na Lei n.º 7/2020, a ANACOM entende que a protecção dos interesses dos utilizadores de serviços de comunicações seria reforçada se fosse contemplada a possibilidade de estes poderem obter a redução dos contratos, ou mesmo a sua suspensão de forma a que, sem abrir mão da sua posição contratual e dos números telefónicos que utilizam, pudessem reduzir os seus encargos até que estejam ultrapassadas as dificuldades provocadas pela pandemia de COVID-19.

Relativamente à regularização de dívidas acumuladas durante o período em que se mantiverem [tais] medidas .., a Lei n.º 7/2020 refere que estas devem ser objecto de um plano de pagamento definido por acordo entre o prestador e o assinante, prevendo uma moratória de 2 meses após o estado de emergência (presume-se que a contagem deste prazo se inicia na data em que termina este estado). Embora preveja a necessidade de acordo entre as partes, esta solução deixará, na prática, uma elevada margem aos prestadores de serviços para imporem condições de pagamento que podem não ir ao encontro das necessidades dos assinantes, designadamente no que se refere ao montante das prestações, que na óptica da ANACOM não devem, salvo acordo expresso do assinante, ser superiores a metade do valor da mensalidade dos serviços contratados, e à duração do plano de pagamentos que, na perspectiva da ANACOM deve ter uma duração de no mínimo de 6 meses. Com efeito, importa evitar que, num curto espaço de tempo, após o período de emergência nacional, os utilizadores sejam confrontados com a exigência de suportar, num só mês, montantes que podem corresponder a duas ou mais mensalidades, no caso dos serviços pós-pagos.

No plano das consequências do incumprimento, a lei em vigor não proíbe a cobrança de juros de mora e de penalizações contratuais em consequência de atrasos no pagamento de facturas ou no carregamento de saldos, não impedindo, assim, que estes encargos possam acrescer ao valor das dívidas acumuladas pelos assinantes durante este período de excepção, agravando desta forma os encargos que estas medidas visam mitigar. A possibilidade de cobrança de penalizações contratuais pelo atraso no pagamento de facturas ou no carregamento de saldos é particularmente gravosa num contexto que actualmente se vive, em que existem fortes restrições à mobilidade das pessoas.

Refira-se ainda que a Lei n.º 7/2020 não prevê qualquer regime sancionatório no caso do seu incumprimento, facto que impossibilita que as autoridades responsáveis pela supervisão dos prestadores dos vários serviços abrangidos por este regime possam reagir em caso de violação das regras estabelecidas no referido diploma.

Por último, a ANACOM sublinha que, no seu entendimento, o regime previsto na Lei n.º 7/2020 para a suspensão dos serviços de comunicações electrónicas, que importaria completar com a possibilidade de redução ou suspensão temporária dos contratos, além de ser aplicável aos consumidores, também deve sê-lo às micro e pequenas empresas que durante o período de excepção tenham cessado a respectiva actividade ou tenham sofrido quebras de rendimentos iguais ou superiores às que justificam a aplicação das medidas aos consumidores, bem como a organizações sem fins lucrativos que tenham encerrado ou sofrido quebras de rendimentos na mesma proporção.”

COMUNICAÇÕES COM  EMPRESAS E SERVIÇOS PÚBLICOS

GRATUITIDADE PARA OS CONSUMIDORES

Inibe-se que tais entidades se socorram de números especiais de valor acrescentado com o prefixo «7» (707…), para contacto telefónico dos consumidores. Com custos que excedem os montantes de uma ligação normal..

Apenas números especiais, números nómadas com o prefixo «30», ou números azuis com o prefixo «808», para contacto telefónico dos consumidores.

Tais entidades públicas devem proceder à substituição por números telefónicos com o prefixo «2», no prazo máximo de 90 dias.

Destinatários da norma sê-lo-ão:

  • entidades integradas na Administração Pública central, regional ou local,~
  •  as empresas que prestam serviços públicos essenciais, designadamente de fornecimento de água, energia eléctrica, gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados, comunicações electrónicas, serviços postais, recolha e tratamento de águas residuais, gestão de resíduos sólidos urbanos e transporte de passageiros e
  •  as empresas concessionárias da Administração Pública central, regional ou local.
  • o Ministério da Saúde, prazo máximo de 60 dias, substituirá o número do SNS 24 de prefixo «808» por um número especial, assegurando a sua total gratuitidade para os utentes.

OPERAÇÕES  DE PAGAMENTO:

COMISSÕES EM TERMINAIS AUTOMÁTICOS

 

Pelo Decreto-Lei 10-H/2020, de 26 de Março,

  • Suspendeu as comissões em operações de pagamento processadas através de terminais automáticos e
  • Proibiu os prestadores de serviços de pagamento de efectuar aumentos dos componentes variáveis das comissões por operação, bem como de outras comissões fixas não suspensas no passo precedente, devidas pela utilização de terminais de pagamento automático em operações de pagamento com cartões.
  • Proibiu que  se recusasse ou limitasse a aceitação de cartões para pagamento de quaisquer bens ou serviços, independentemente do valor da operação, durante o período em que vigorar a situação excepcional que ora se vive.

PROTECÇÃO DOS DÉBITOS DAS FAMÍLIAS

(CONTRATOS DE CRÉDITO HIPOTECÁRIO)

Realce neste particular para as duas vertentes mais relevantes do crédito, na óptica do consumidor, a saber:

  • crédito hipotecário e do
  • crédito ao consumo, em geral, a saber:

Crédito pessoal

 

Finalidade Educação, Saúde, Energias Renováveis e Locação Financeira de Equipamentos

 

 

Outros Créditos Pessoais (sem finalidade específica, lar, consolidado e outras finalidades)

 

 

Crédito automóvel

Locação Financeira ou ALD: novos

 

 

Locação Financeira ou ALD: usados

 

 

Com reserva de propriedade e outros: novos

 

 

Com reserva de propriedade e outros: usados

  

Cartões de crédito, Linhas de crédito, Contas correntes bancárias e Facilidades de descoberto

CRÉDITO HIPOTECÁRIO OU IMOBILIÁRIO

Pelo Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de Março, o legislador

  • Estabeleceu medidas excepcionais de protecção, entre outros, dos créditos das famílias, mormente no que tangeao crédito para habitação própria permanente em situação de isolamento profilático ou de doença ou prestem assistência a filhos ou netos ou que tenham sido colocados em redução do período normal de trabalho ou em suspensão do contrato de trabalho, em virtude de crise empresarial, em situação de desemprego registado no Instituto do Emprego e Formação Profissional, bem como os trabalhadores elegíveis para o apoio extraordinário à redução da atividade económica de trabalhador independente, e os trabalhadores de entidades cujo estabelecimento ou atividade tenha sido objeto de encerramento durante o período de estado de emergência.

(A Lei n.º 8/2020, de 10 de Abril, veio, porém, reforçar o dever de informação neste particular, ao aditar norma com esta moldura:

1 - As instituições têm o dever de divulgar e publicitar as medidas previstas … nas suas páginas de Internet e através dos contactos habituais com os seus clientes.

2 - As instituições ficam ainda obrigadas a dar conhecimento integral de todas as medidas… previamente à formalização de qualquer contrato de crédito sempre que o cliente seja uma entidade beneficiária.

3 - O Banco de Portugal regulamenta os moldes em que a prestação de informação … deve ser efectivada.

…”)

CRÉDITO AO CONSUMO

O legislador entendeu não intervir neste domínio, tanto quanto se nos afigura de forma menos louvável, deixando ao livre alvedrio das entidades bancárias fazê-lo, com consequências decerto mais gravosas se acaso houvesse regulação, tanto através das instâncias legiferantes, como por meio do Banco Central.

Ora, a harmonização doutrinária e de disciplina mediante a intervenção graciosa da Associação Portuguesa de Bancos (homóloga da Febraban) poderá atenuar assimetrias e recolocar, ao menos transitoriamente, o consumidor em posição de igualdade frente aos mais.

Mas a moratória de 6 meses que, ao que parece, se concedeu, não é isenta de encargos, o que para empréstimos medianos poderá acarretar, segundo um estudo acréscimos suplementares da ordem dos 1 000€…

À semelhança do que correu na crise de pretérito, seria de bom tom que o legislador interviesse.

IMPEDIMENTO DE COBRANÇA DE COMISSÕES BANCÁRIAS

Pela Lei sob análise (a Lei 7/2020) se decretou a suspensão da cobrança de comissões devidas pela utilização e realização de operações de pagamento através de plataformas digitais dos prestadores de serviços de pagamentos, designadamente de “homebanking” ou de aplicações com instrumento de pagamento baseado em cartão, para as pessoas que estejam em situação de isolamento profilático ou de doença ou que prestem assistência a filhos ou netos, ou que tenham sido colocadas em redução do período normal de trabalho ou em suspensão do contrato de trabalho, em virtude de crise empresarial, em situação de desemprego registado no Instituto do Emprego e Formação Profissional, bem como para as pessoas que sejam elegíveis para o apoio extraordinário à redução da actividade económica de trabalhador independente ou sejam trabalhadoras de entidades cujo estabelecimento ou actividade tenha sido objecto de encerramento determinado durante o período de estado de emergência.

Para beneficiar, porém, da suspensão o beneficiário remete ao prestador de serviços um documento comprovativo da respectiva situação no quadro das medidas de contenção epidemiológica.

CASA DE MORADA DE FAMÍLIA

HABITAÇÃO PRÓPRIA PERMANENTE

Lei 1-A /2020, de 19 de Março, provê de análogo modo, para alem de outras medidas, à  suspensão das execuções, como segue (artigo 8.º):

“Até à cessação das medidas de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública, fica suspensa:

b) A execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado.”

CONTRATOS DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO

(LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA)

SUSPENSÃO DAS ACÇÕES DE DESPEJO

Pela Lei 1-A/2020, de 19 de Março, ficam suspensas pelos senhorios as denúncias de contratos de arrendamento (entre os quais, prevalentemente, os habitacionais) (artigo 8.º).


A lei suspende ainda as acções de despejo em curso: "os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria".

MORA NO PAGAMENTO DAS RENDAS DE CASA (ALUGUEL)

Pela Lei 4-C/2020, de 4 de Abril, se estabeleceu um regime excepcional, entre outros, para as situações de mora no pagamento da renda (aluguel) em contratos de arrendamento urbano habitacional (locação imobiliária).

A Portaria n.º 91/2020, de 14 de Abril, definiu, na sequência, os termos da demonstração da quebra de rendimentos em ordem à aplicação do regime excepcional a situações de incapacidade de pagamento das rendas habitacionais devidas de 1 de Abril de 2020 ao mês subsequente ao do termo da vigência do estado de emergência.

MEDIDAS DE LIMITAÇÃO DO MERCADO

Pelo Decreto-Lei n.º 14-F/2020, de 13 de Abril, o legislador, com assinalável retardamento, previu a hipótese da adopção de medidas de contenção e limitação do mercado, de fixação de preços máximos, de limitação de margens de lucro, de monitorização de produtos em depósito e das quantidades produzidas, e de isenção do pagamento de taxas para os operadores económicos que operem em situações emergenciais.

PREÇOS MÁXIMOS PARA O GÁS DE PETRÓLEO LIQUEFEITO ENGARRAFADO

A 17 de Abril em curso, o legislador fixou, finalmente, o regime de preços máximos para o gás de petróleo liquefeito (GPL) engarrafado, em taras standard em aço, nas tipologias T3 e T, após a conduta especulativa e altamente reverberável dos mercados.

MARGENS DE LUCRO NOS DISPOSITIVOS MÉDICOS E EQUIPAMENTOS DE PROTECÇÃO INDIVIDUAL

A 18 de Abril em curso, por Despacho n.º 4699, que a lume veio no jornal oficial, de análogo modo com um enorme lapso ante a especulação de preços em que o mercado se precipitara, determinou o legislador que a percentagem de lucro na comercialização, por grosso e a retalho, de dispositivos médicos e de equipamentos de proteção individual identificados e bem assim do álcool etílico e de gel desinfectante cutâneo de base alcoólica, se limitasse a 15 %.

ESDC: Os países têm se utilizado de informações pessoais coletadas, por exemplo, dos telefones celulares, como ferramenta para mapear o vírus. Aqui no Brasil, a lei geral de proteção de dados, que entraria em vigor ainda este ano, passou para 2021. Sem negar a importância do monitoramento dos dados sanitários no momento, não deixa de haver o receio de que, passado este período, possam ser cometidos abusos no tratamento das informações, pela existência do vácuo legislativo. O que o senhor diria sobre isso? E como está funcionando essa questão dos dados em Portugal, país que já conta com lei nesse sentido?

Mario Frota: Em vigor se acha em Portugal – no que se prende com os dados pessoais – o Regulamento Geral de Protecção de Dados, emanado do Parlamento Europeu, em processo de co-decisão, que entrou em vigor em 25 de Maio de 2018 em todos os Estados-membros da União Europeia, e as disposições internas suplementares(veiculadas pela Lei n.º 58/2019, de 8 de Agosto).

A malha é estreita, como geralmente se não ignora.

Mas a pretexto dos prevalecentes interesses da salus publica, tem vindo a ser ensaiada uma orquestrada invasão da privacidade, algo que perturba os espíritos mais precavidos.

Por estes dias, houve uma reacção em cadeia contra o que se pretende ser uma inovação susceptível de prevenir os catastróficos efeitos epidemiológicos a que se assiste:

“A eventual implementação de uma aplicação de telemóvel para rastrear a Covid-19 seria como ter uma câmara em cada casa, “catastrófico para a protecção de dados" e de "eficácia limitada", alerta o vice-presidente da Associação D3 - Defesa dos Direitos Digitais, Ricardo Lafuente.

“Se o Governo agora dissesse que tínhamos de instalar uma câmara à porta, ou até dentro de casa, para verificar que não estamos a violar a quarentena, seria uma medida autoritária”, afirma o professor e activista digital, preocupado com o perigo da vigilância invisível para controlar o novo coronavírus.

Em declarações à Rádio Renascença, Ricardo Lafuente questiona se a “vigilância tecnológica”, como a que pode ser gerada pela criação de uma aplicação de telemóvel que rasteie movimentos para conter a pandemia da Covid-19, “não sendo visível”, “tira um pouco a carga” desse perigo do acesso a dados privados.

“O que significa estarmos a ceder esse retrato da nossa vida? O que vai acontecer depois aos dados?”, interroga o catedrático, que levanta muitas dúvidas sobre a privacidade de uma aplicação móvel que possa vir a ser criada no actual contexto pandémico.

A questão coloca-se numa altura em que a Comissão Europeia deu uma semana aos Estados-membros da União Europeia para desenvolverem uma “abordagem comum” no rastreamento de dados pessoais anonimizados, para assim ajudar a conter a evolução da pandemia do novo coronavírus e também promover o distanciamento social.

Bruxelas quer, assim, criar regras comuns para o uso da tecnologia, tal como já acontece em outros países no mundo.”

Claro que o modelo ensaiado na República Popular da China não quadra ao regime de liberdades que se vive no Ocidente e mal se perceberá que para detectar situações anómalas neste particular se haja de proceder a um regime de contracção de liberdades ou até de exclusão que de todo merecerá adequada reacção dos cidadãos mais esclarecidos.

Para além dos mais dados gerados pela pandemia em si, que no actual estágio, mal se sabe que destino terão. É de crer que entidades independentes como, no caso, a Comissão Nacional de Protecção de Dados, exerça adequadamente atribuições e competências de molde a frear eventuais ímpetos de forças cujo domínio dos dados são irresistível atracção para os manipularem a seu bel talante em detrimento das liberdades individuais.

Para além das instituições da sociedade civil que não podem “dormir na forma”, entorpecidas pela superação da crise pandémica.

Ainda agora, o primeiro-ministro português veio a terreiro para significar “que não estão previstos mecanismos de controlo para o rastreio de cidadãos, mas admitiu a possibilidade de se usar telemóveis como medida de alerta e de prevenção à propagação do novo coronavírus,

"Rastreio não, geolocalização não, identificação de pessoas não.

O máximo que tenho visto de mais intrusivo, que se coloca no limite daquilo que é compatível com o que é o regulamento europeu de protecção de dados e com os nossos valores institucionais, é, por exemplo, a possibilidade de a Direcção-geral da Saúde [DGS] poder ter acesso, a partir do meu telemóvel, à identificação de números de telefone com os quais o meu telemóvel esteve em proximidade durante mais de x tempo e em menos de x distância nos últimos 14 dias, e enviar uma mensagem a essas pessoas, também sem saber quem são, informando que: 'cuidado, teve em proximidade com o telemóvel de uma pessoa que é dada como infectada."

Perante as circunstâncias, a CNPD – Comissão Nacional de Protecção de Dados – divulgou breves directrizes a propósito.

Ei-las:

Orientações sobre a recolha de dados de saúde dos trabalhadores
(23/04/2020)
Tem sido noticiado que entidades empregadoras, sobretudo na preparação do regresso à laboração, pretendem recolher e registar dados da temperatura corporal, bem como outras informações relativas a alegados comportamentos de risco dos seus trabalhadores. Por isso, a CNPD considerou conveniente emitir orientações, para garantir que informação de saúde dos trabalhadores é tratada com respeito pela proteção de dados pessoais.

Orientações sobre divulgação de informação relativa a infectados por Covid-19
(22/04/2020)
Têm chegado à CNPD queixas de cidadãos que, após diagnóstico de Covid-19, vêem os seus dados pessoais, de identificação e contacto, incluindo de crianças, expostos na Internet por autarquias locais. Por vezes não expõem os dados pessoais dos infectados, mas disponibilizam informação discriminada por freguesia, permitindo a fácil identificação dos doentes. Por isso, a CNPD considerou pertinente emitir orientações, para garantir que a publicação da informação relativa à pandemia respeite a proteção de dados pessoais.

 

Orientações sobre o controlo à distância em regime de teletrabalho
(17/04/2020)
Em resposta às múltiplas questões que têm sido colocadas relacionadas com a utilização de diversos softwares para o controlo da atividade laboral prestada em regime de teletrabalho, e com a imposição, ao trabalhador, de ligação permanente da câmara de vídeo, considerou a CNPD útil esclarecer que as ferramentas tecnológicas indicadas são desproporcionadas, violando vários princípios de proteção de dados e que as normas laborais relativas à inadmissibilidade do controlo à distância do desempenho do trabalhador se mantêm aplicáveis.

Utilização de tecnologias de suporte ao ensino à distância
(09/04/2020)
No contexto da pandemia da Covid19, o recurso a plataformas electrónicas de suporte ao ensino não presencial revela-se uma necessidade. Entendeu, por isso, a CNPD oportuno emitir orientações para os diferentes intervenientes nos tratamentos de dados pessoais efetuados na utilização de tecnologias de suporte ao ensino à distância .

Utilização de sistemas de videovigilância e de alarmística por entidades de segurança privada (02/04/2020)

O estado de emergência decretado não alterou as atribuições e as competências públicas, pelo que se mantêm centralizadas no Estado as funções de controlo de entrada e deslocação em território nacional, estando vedada à Administração Pública Local e às entidades privadas a utilização de meios de captação de imagens e som no espaço público para esta finalidade.”

 

A simples enunciação de tais directrizes permite “inferir” que algo vai mal no Reino da Dinamarca… E que força é pôr cobro aos desvarios reinantes!

 

 

ESDC: Um dos aspectos da crise são os prejuízos nas atividades econômicas. Em virtude das dificuldades enfrentadas pelos fornecedores de produtos e serviços, há risco de que a defesa do consumidor sofra reduções no seu alcance?

 

Mario Frota: A ocorrente situação, ao menos no que toca aos distintos segmentos de mercado em Portugal, vem propiciando uma mudança de paradigma que não se sabe se, com o retorno a uma aparente normalidade, vingará. 

O incremento do comércio electrónico parece, nos tempos que correm e em determinados segmentos, realidade indesmentível. 

Com a redução, da ordem dos 40% do volume de negócios, ao que se estima, das médias e grandes superfícies comerciais, o recurso a empresas em linha (online) parece algo, ao menos, supletivo. E o confinamento como que estimula actividades do jaez dessas. 

O recurso, por esse meio, a bens de primeira necessidade e a uma vasta gama de electrodomésticos, imposta pelo tele-ensino, pelo teletrabalho, por períodos mais dilatados de permanência paredes adentro, parece constituir de momento o alfa e o ómega das relações de consumo com o afinamento das regras neste particular para que os eventuais litígios suscitados tenham uma resposta célere, já que também as instâncias de resolução de litígios se vêm desobrigando das tarefas a seu cargo a distância.

 

A Europa conhece as plataformas electrónicas de resolução de litígios, ainda em fase embrionária (as ODR), mas há que evoluir de molde a transformar, quiçá, o acesso a tais meios, de voluntários, a necessários, como sucedeu em Portugal com os tribunais arbitrais de conflitos de consumo, que ex vi legis se converteram de voluntários em necessários para lides cuja utilidade económica não exceda os 5 000€ (cerca de 30 000 R$). 

O facto é que, para além dos pontos enunciados, a tutela da posição jurídica do consumidor, tanto pelas medidas que tardaram, como pelas que os afectam por serviços não prestados, associando-os à sorte das empresas e cativando os montantes que despenderam por serviços que lhes não foram prestados constituem não só realidade de execrar, como um péssimo presságio para acontecimentos futuros.

Mesmo um governo socialista (de pendor social-democrata), como o que ora rege os destinos da coisa pública, em Portugal, cede perante a pressão das empresas, deixando absolutamente descalços (ou quase) os consumidores.

Montantes despendidos (por viagens que não se efectuaram nem se efectuam até 30 de Setembro do ano em curso por razões a que os consumidores são alheios) só poderão vir a ser reembolsados em Janeiro de 2022, como se os consumidores fossem accionistas das empresas com os seus capitais cativos durante período tão dilatado, se não reagendarem as viagens ou não pretenderem receber, a título substitutivo, um “voucher” para utilização noutra época e noutras condições…

 

É algo contra o qual teremos de nos rebelar e que não tem qualquer sentido. 

No mais, um desacerto de perspectivas no que tange às Entidades Regulatórias, o Parlamento e o Governo sempre que há que intervir normativamente em aspectos essenciais do quotidiano, como nos que se prendem com os serviços de interesse geral. 

Claro que se trata de situações para que as normais estruturas do Estado e da administração (de tempos de paz) não se acham apetrechadas, mas - declarada a guerra - há que ajustarem-se, reforçar-se para responder de modo coerente, com eficácia e eficiência aos desafios suscitados. 

Em momentos de crise, há que pugnar por que os Governos não sejam frouxos, não cedam aos interesses do tecido empresarial para além do necessário e do razoável e não abandonem as pessoas que, entregam, afinal, a sua fazenda e a sua segurança a quem tem o ónus de modelar a coisa pública em razão do interesse geral!

 

ESDC: Situações decorrentes do distanciamento social forçado vêm despertando em muitas pessoas um sentimento de consciência no que diz respeito ao ato de consumir e suas inúmeras consequências econômicas, sociais e ambientais. O ano de 2020 pode ser um marco para mudanças nesse sentido?

 

Mario Frota: Como que em uníssono se vem clamando, de distintos quadrantes, por uma ordem nova em decorrência da pandemia que assolou os povos das sete partidas do globo e dos horizontes que se abrirão logo que superada. 

Não temos a clara representação do que este hiato possa representar em termos de mudança de atitudes das gentes perante as coisas. 

As pessoas, em geral, se mantiverem análoga condição económico-financeira à que detinham, pretender-se-ão “desforrar da quarentema de “privações” a que se sujeitaram. E, nessa medida, de modo algo compreensível, subscreverão um sem-número de comportamentos excessivos e irrazoáveis. 

A legião de pobres que a situação vier a “produzir” verá os seus índices de consumo comprometidos. 

A concentração de capitais que se adivinha (face à debilidade de tantos dos esteios do tecido empresarial que soçobrarão) como que reforçará a exploração das hostes que enxamearão as bolsas de empregos ou integrarão as carteiras de desempregados.

A situação, em nosso juízo, tender-se-á a agravar.

As mudanças dos hábitos de consumo derivarão, ao que se estima, do menor poder de compra dos deserdados da fortuna (que sempre os houve!). 

Mas a exploração não abrandará.

A solidariedade bruxuleante, que em momentos de crise se esboça, encolherá “as unhas” e os acendrados egoísmos que caracterizam a humanidade sobrevirão.

Não se nos afigura que a “quarentena reflexiva” propiciada pelo COVID 19 e pelo CONFIN 20 tenha sequer o condão de levar a que cada um e todos se abalancem a um “mea culpa”. 

A espiral do “vírus assassino”, uma vez dissipada, não concorrerá, como o entendemos,  para que o esboço do HOMEM NOVO, como tantos pretendem, se delineie nas núvens e desça à terra para trajar cada um e todos, para se ajustar ao talhe de cada um dos supérstites…

 

 

 

 

 

 

 

 

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