Condições gerais dos contratos
Violações do quadro legal passam a constituir também ilícitos de mera ordenação social
Publicação:

- Generalidades
Para além de condutas que violem normas como crime tipificadas, outras há que, desrespeitando a lei, importam uma menor relevância por se considerarem, aos olhos dos artífices das leis, menos graves: são os ilícitos de mera ordenação social ou simplesmente contra-ordenações, passíveis de coimas e autuadas no seio das entidades administrativas e de cujas decisões cabe recurso para os tribunais.
(De antanho, um tal tipo de condutas era punível como contravenção ou transgressão, e processada nos tribunais).
Um ilícito de mera ordenação social ou, simplesmente, uma contra-ordenação é uma infracção punível com uma sanção pecuniária denominada coima, insusceptível de conversão em pena de prisão.
A competência para o seu processamento cabe, como se registou, a entidades administrativas a que a lei confira para tanto competência, às quais incumbe a instrução dos autos e a aplicação da coima (e, eventualmente, de uma sanção acessória).
Os tribunais são, pois, por lei competentes para apreciar os recursos das decisões das entidades administrativas que sancionam com coimas comportamentos como tal tipificados na lei.
- As condições gerais dos contratos na sua especialidade: as acções inibitórias, o decretamento de proibições e a sanção pecuniária compulsória
As condições gerais dos contratos constantes dos formulários de pré-adesão ou de outros suportes estavam sujeitas, em geral, só e tão só, a uma acção colectiva (a denominada acção inibitória) na disponibilidade de entidades para tanto legitimadas à sua propositura.
Por acção inibitória se entende a destinada a prevenir, corrigir ou fazer cessar práticas lesivas dos direitos do consumidor consignados na Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, que, nomeadamente:
- Atentem contra a sua saúde e segurança física;
- Se traduzam no uso de condições gerais proibidas;
- Consistam em práticas comerciais expressamente proibidas por lei.
A decisão proferida em acção inibitória é, no entanto, susceptível de ser assistida de uma sanção pecuniária compulsória (‘astreinte’), prevista no artigo 829-A do Código Civil, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar, tanto por danos patrimoniais (v. g., materiais) como não patrimoniais (i. é, morais).
O Código Civil viu acrescentar-se-lhe, por aditamento de 16 de Junho de 1983 (DL 262/83), o artigo em epígrafe do teor seguinte:
“1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2. A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3. O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
4. Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.”
E, com efeito, a Lei das Condições Gerais dos Contratos, em vigor em Portugal, desde 22 de Fevereiro de 1986, prevê, no seu artigo 33, exactamente sob a epígrafe “sanção pecuniária compulsória”, o que segue:
“1 - Se o demandado, vencido na acção inibitória, infringir a obrigação de se abster de utilizar ou de recomendar cláusulas contratuais gerais que foram objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, incorre numa sanção pecuniária compulsória que não pode ultrapassar o valor de (euro) 4.987,98 por cada infracção.
2 - A sanção prevista no número anterior é aplicada pelo tribunal que apreciar a causa em 1.ª instância, a requerimento de quem possa prevalecer-se da decisão proferida, devendo facultar-se ao infractor a oportunidade de ser previamente ouvido.
3 - O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao requerente e ao Estado.”
- O enquadramento das cláusulas abusivas como ilícitos de mera ordenação social
Porém, tem vindo a ser tendência do legislador, em específicos domínios do ordenamento jurídico dos consumidores, a previsão de condutas lesivas do estatuto do consumidor como ilícitos de mera ordenação social, como é patentemente o caso da Lei das Condições Gerais dos Contratos, no âmbito de um diploma legal que a lume veio a 10 de Dezembro do ano em curso, em suplemento do Jornal Oficial (o DL 109-G/2021).
Daí que haja aditado ao Regime Jurídico das Condições Gerais dos Contratos de 25 de Outubro de 1985 (DL 446/85) os artigos de 34-A a 34-C de molde a concretizar um tal objectivo.
Como o fizera já, a 18 de Outubro do ano em curso, no que tange à Lei das Garantias dos Bens de Consumo, em que só residualmente as violações seriam como tal consideradas, como muito bem o situou Rute Couto, na Conferência Comemorativa do XXXII aniversário da apDC – Direito do Consumo – de Portugal, a 24 de Novembro próximo passado.
E, ao fazê-lo desta feita, o legislador estatuiu (n.º 1 do artigo 34-A):
“ Constitui contra-ordenação muito grave, punível nos termos do Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas (RJCE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de Janeiro, a utilização de [condições gerais] absolutamente proibidas nos contratos, incluindo as previstas nos artigos 18 e 21.”
[Mal se percebe, porém a especificação a tais artigos (18 e 21) quando, na realidade, para além da violação da cláusula geral da boa-fé (artigos 15 e 16), se perfilam ainda os artigos 19 e 22, que correspondem às condições gerais relativamente proibidas no que tange respectivamente às relações jurídicas interempresariais e às com os consumidores finais, contanto que as primeiras, por força do artigo 20 se aplicam também às relações em que intervenham os consumidores no polo passivo naturalmente].
E, para além de outras normas instrumentais, a alusão a que (n.º 4)
“o disposto no presente artigo não prejudica a aplicação do regime substantivo e processual específico do sector em causa, caso este exista”.
- A moldura contra-ordenacional
A moldura para que ora se remete, sendo que a contra-ordenação é “taxada” de muito grave, é a que consignada se acha no recente Regime Jurídico das Contra-Ordenações Económicas de 29 de Janeiro de 2021, a saber, se de:
- Microempresa se tratar - de € 3 000,00 a € 11 500,00;
- Pequena empresa - de € 8 000,00 a € 30 000,00;
- Média empresa - de € 16 000,00 a € 60 000,00;
- Grande empresa - de € 24 000,00 a € 90 000,00.
E relevante é descodificar a classificação das empresas como tal arroladas:
- Microempresa - com menos de 10 trabalhadores;
- Pequena empresa - entre 10 e 49 trabalhadores;
- Média empresa - entre 50 e 249 trabalhadores;
- Grande empresa – com 250 ou mais trabalhadores.
- A determinação da medida da coima
Na determinação da coima, o decisor deve ter em conta:
- A natureza, gravidade, dimensão e duração da infracção cometida;
- As medidas eventualmente adoptadas pelo infractor para atenuar ou reparar os danos causados aos consumidores;
- As eventuais infracções cometidas anteriormente pelo infractor em causa;
- Os benefícios financeiros obtidos ou os prejuízos evitados pelo infractor em virtude da infracção cometida, se os dados em causa estiverem disponíveis;
- Outros factores agravantes ou atenuantes aplicáveis às circunstâncias do caso concreto que devam ser considerados, de acordo com Regime Jurídico aplicável.
- Competência inspectiva e fiscalizatória: instrução dos autos, aplicação das coimas
A fiscalização do cumprimento do disposto na Lei das Condições Gerais dos Contratos incumbe à Entidade Reguladora ou de mercado, competente nos termos da legislação sectorialmente aplicável.
E nesse particular se perfilam, entre outros,
- Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR)
- Entidade Reguladora da Saúde (ERS)
? Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE)
? Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM)
? Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC)
? Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT)
? Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF)
? Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM)
? Instituto da Construção e do Imobiliário (INCI)
? Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT)
? Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE)
? ENSE – Entidade Nacional para o Sector Energético, E.P.E.
Outro tanto no que tange à instrução dos autos de contra-ordenação e à aplicação das coimas, de harmonia com as atribuições próprias.
- Competência supletiva
Na ausência de entidade reguladora ou de controlo de mercado competente em razão da matéria, compete à Direcção-Geral do Consumidor (DGC) fiscalizar o cumprimento do disposto na Lei das Condições Gerais dos Contratos, instruir os processos de contra-ordenação e aplicar as correspondentes coimas.
Não se ignore que a Direcção-Geral do Consumidor, por força de lei, detém um sem-número de atribuições e competências, que de seguida se enunciarão, não sem antes se realçar que
“A Direcção-Geral do Consumidor é o serviço público destinado a promover a política de salvaguarda dos direitos dos consumidores, bem como a coordenar e executar as medidas tendentes à sua protecção, informação e educação e de apoio às organizações de consumidores.”
E não é demais salientar que para a prossecução das suas atribuições, a Direçcão-Geral é considerada autoridade pública e goza dos seguintes poderes:
- Solicitar e obter dos fornecedores de bens e prestadores de serviços, bem como de distintas entidades [v. g., organismos da Administração Pública, pessoas colectivas públicas, empresas de capitais públicos ou detidos maioritariamente pelo Estado, Regiões autónomas ou autarquias locais e empresas concessionárias de serviços públicos que os assegurem], mediante pedido fundamentado, as informações, os elementos e as diligências que entender necessários à salvaguarda dos direitos e interesses dos consumidores;
- Participar na definição do serviço público de rádio e de televisão em matéria de informação e educação dos consumidores;
- Representar em juízo os direitos e interesses colectivos e difusos dos consumidores;
- Ordenar medidas cautelares de cessação, suspensão ou interdição de fornecimentos de bens ou prestações de serviços que, independentemente de prova de uma perda ou um prejuízo real, pelo seu objecto, forma ou fim, acarretem ou possam acarretar riscos para a saúde, a segurança e os interesses económicos dos consumidores.
Para além do mais, à Direcção-Geral do Consumidor foi reconhecida, em 1996 titularidade, como sujeito processual, assente na legitimidade activa (legitimatio ad causam) para a instauração de acções inibitórias tendentes à prevenção, cessação ou repressão de condutas lesivas de interesses e direitos dos consumidores, em que se incluem as que se imbricam nas condições gerais dos contratos e consequentes cláusulas abusivas.
CONCLUSÃO
- A Lei das Condições Gerais dos Contratos passa a prever a inflicção de coimas aos predisponentes que violem o equilíbrio das condições dos contratos e recomendem ou façam com que os aderentes subscrevam cláusulas abusivas como tal consideradas à luz do ordenamento vigente
- A Lei das Condições Gerais dos Contratos atribui a competência para o efeito aos Reguladores sectorialmente definidos e, em geral, à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica: supletivamente, à Direcção-Geral do Consumidor.
- A Lei das Condições Gerais dos Contratos define critérios de modulação das sanções e considera tais infracções como muito graves aparelhando a grelha respectiva consoante a natureza das empresas (de micro a grandes empresas) e do concomitante valor mínimo e máximo das sanções aplicáveis