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CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: 30 ANOS DEPOIS

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Card Opinião PROCONRS
Foto: Arte/SJCDH - Foto: Roberta Montiel

Por: Vitor Hugo do Amaral Ferreira

O dia 15 de março de 1962 marca o discurso histórico do ex-presidente John Kennedy em defesa aos consumidores, razão que faz da data o Dia Mundial do Consumidor. Passados 58 anos, o esforço em tutelar aqueles que participam das relações de consumo em espaço de maior fragilidade, fez com que se reconhecesse a necessidade de proteger o consumidor diante da sua vulnerabilidade.

No Brasil a Constituição Federal de 1988 trouxe o tema ao determinar como dever do Estado a promoção dos direitos do consumidor, elencando-o entre os direitos e garantias fundamentais, além de expressamente fazer da defesa do consumidor um dos princípios da ordem econômica nacional, o que denota a vertente constitucional da proteção e defesa do consumidor.

A publicação do Código de Defesa do Consumidor em 1990inaugural muito mais que normas, mas também a política pública de proteção. É evidente que o instrumento legal tem raiz no discurso do ex-presidente americano e certamente é a primeira grande política de ordem pública e interesse social diante das relações de consumo.

A complexidade das relações de consumo são outras. Somos sujeitos humanos que deixamos a era do escambo, onde trocávamos mercadoria, e passamos a trabalhar cada vez mais para consumir com intensidade o que a revolução industrial, o capitalismoa globalização e as novas tecnologias fizeram com as nossas necessidades de consumo. 

Se por um lado a indústria produz em larga escala, em outra banda, o consumo também precisa atender a demanda e vasão do que se fabrica. A publicidade, cada vez mais agressiva, desperta desejos, promove o endividamento e o acúmulo de resíduos.

Em seu discurso, o presidente Kennedy exaltou a necessidade de acesso à informação, segurança, direito à escolha e participação do consumidor no mercado de consumo. Quase seis décadas depois, em outro contexto, podemos clamar por mais informação, deixamos uma época em que ela era praticamente inexistente e vivemos o tempo em que o excesso de informação desinforma. 

A segurança do consumidor nunca foi tão crucial em tempo que se viola dados pessoais. As cusulas contratuais são, em regra, partes de um contrato de adesão em que não se tem o direito pleno do exercício da autonomia da vontade. Os espaços de representação e mesmos as entidades que defendem o consumidor nunca estiveram minimizadas na proporção que se encontram. O Poder Judiciário, muitas vezes, a última esfera de proteção ao consumidor, não raramente, nega o posto em lei.

No período em que o Código de Defesa do Consumidor irá comemorar 30 anos: o que temos a celebrarO cenário que compreendeu o século XX passou a delinear novos direitos, o que permitiu falar em direito ambiental, biodireito, direito espacial, direito da comunicação, direitos humanos e direito do consumidor. Existe uma multiplicidade de paradigmas que explica a construção da sociedade. O pensamento humano e a ciência aliados à tecnologia fizeram do homem um animal pensante e dominador por excelência. As suas descobertas aliadas ao saber e à necessidade de sentir-se cada vez mais eficaz levam-no a cometer exageros, tornando-os reféns, muitas vezes, das suas próprias invenções. 

Os fenômenos da atualidade são dominados pela mundialização e a globalização, as consequências da pós-modernidade atingem as relações humanas de forma significativa. A contemporaneidade traz a reflexão: mais do que máquinas, precisamos de humanidade. A frase de Charles Spencer Chaplin, esclarece o sentimento pós 30 anos de vigência do Código de Defesa do Consumidor. 

Neste contexto, somos todos consumidores, mesmo em menor ou maior potencialidade, por que constituímos uma sociedade, por ora é da tecnologia, da informática, da produção, do acúmulo de capital, mas, por certo, sempre é de consumo. Ao passo em que somos chamados à sociedade de consumo por instrumentos de marketing, campanhas publicitárias milionárias, concessão de crédito facilitada, estamos sujeitos ao assédio de consumo. 

Chegar aos 30 anos reflete momentos em que o CDC cuidou de reconhecer direitos básicos, qualidade dos produtos e serviços, buscou proteger a saúde e segurança, foi em busca do cumprimento das ofertas, questionou os apelos da publicidade, fez alerta às práticas abusivas e a responsabilidades pelos danos gerados, criou mecanismos e instrumentos que qualificam e facilitam a defesa do consumidor. Aqui uma saudação ao Código: louváveis os seus primeiros 30 anos!

Outros tantos anos nos esperam, depois de três décadas é tempo de alerta. O futuro irá exigir cuidado, ainda maior, em relação ao crédito fácil e o consequente superendividamento do consumidor; a organização de políticas para os resíduos do consumo; entendimento sobre a vulnerabilidade agravada; a crescente e emblemática relação humana com a inteligência artificial; maior ênfase à disciplina de direito do consumidor nos bancos acadêmicos. 

Precisamos refletir sobre o fortalecimento dos espaços de defesa do consumidor, em especial a articulação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Nas relações de consumo, a defesa de direitos não se viabiliza apenas com a vigência do Código de Defesa do Consumidor (CDC). A efetividade depende essencialmente de ações concretas. 

O direito, não raramente, precisa ser lapidado, necessita encontrar na sociedade sua aplicação, oportunizando não apenas justiça por meio do Poder Judiciário, mas por vias menos morosas, mais céleres, ágeis. Um outro alerta, as vias administrativas não podem cair no descaso, sob pena de falharmos em nossa representatividade em defesa ao consumidor.

Os Procons foram criados para legitimar um espaço modelo de solução de controversas em matéria consumerista. Nos próximos anos, há receio que a fragilidade de instituições não preparadas em promover a educação e a defesa do consumidor possam banalizar o objetivo do Código de Defesa do Consumidor. Enquanto tivermos espaços desestruturados, estes poderão ser mais vulneráveis que os próprios consumidores; as agências reguladoras, aparelhadas com o propósito de negligenciar direitos, acabam por legitimar abusos, sem servir ao equilíbrio do mercado, onerando os vulneráveis. Se for assim, teremos fracassado! 

Outra importante mobilização diante dos 30 anos está na aprovação dos projetos de lei que visam a atualização do Código de Defesa do Consumidor. A vulnerabilidade do consumidor permite falarmos em atendimento às suas necessidades, respeito à dignidade, saúde e segurança, à proteção de seus interesses econômicos, à melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo.

A atualização do CDC em matéria referente ao comércio eletrônico – PL 3514/2015 – reforça, a exemplo do feito na Europa, os direitos de informação, transparência, lealdade, cooperação e segurança. As alterações incluem um rol de novas práticas abusivas, consolida o direito de arrependimento, e regula a possibilidade de retificação de erros na contratação. Falamos aqui de pagamentos de produtos e serviços à distância, da proteção dos dados do consumidor, privacidade, direito à intimidade.

Importante ressaltar que a política que acelerou o consumo às margens do crédito, é também culpada pelo naufrágio das famílias brasileiras. O superendividamento acentuou a exclusão social na medida em que o discurso em favor do consumo alimentou sonhos da ascensão. A mais forte das expectativas de tratamento do tema é aprovação do PL 3515/2015. O debate necessário passa pela mudança de hábito, associam-se à pauta o consumo e o crédito responsável. Infelizmente foi preciso chegar à ruína econômica do consumidor para se pensar em sua recuperação. 

A sociedade e o direito travam, em seu tempo, uma eterna jornada de (des)encontros, ao passo que a evolução da primeira traz ao direito a missão de regulá-la. Agora, 30 anos depois, podemos celebrar conquistas e lutar por avanços, fazer valer o mando constitucional em que é dever do Estado, na forma da lei, promover a defesa do consumidor. Para tanto, anos prósperos exigirão um Estado-Juíz que reconheça direitos; um Estado-Executivo que fortaleça a política pública de defesa do consumidor; e um Estado-Legislativo que promova a atualização da norma. 

Vida longa ao Código de Defesa do Consumidor! Dias de maior efetividade, esclarecimento, operacionalização de direitos e combate aos retrocessos: o desafio dos próximos anos.

 

 

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