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Serviços financeiros à distância: o regime jurídico em vigor em Portugal

Publicação:

Ilustração sobre fundo azul com figuras humanas no canto inferior esquerdo. No canto superior direito se lê Opinião número 104 e logo abaixo coluna semanal do consumidor. No canto inferior direito aparece o logo do Procon RS.
Opinião 104
Por MÁRIO FROTA, PRESIDENTE EMÉRITO DA APDC - COIMBRA

I

PRELIMINARES

  1. ENQUADRAMENTO

O regime jurídico desenhado em Bruxelas (Parlamento Europeu e Conselho de Ministros da União) para os contratos de serviços financeiros celebrados de modo não presencial  remonta especificamente a 2002.

Portugal transpôs tal regime para o ordenamento interno em 2006, a 29 de Maio, através de um Decreto-Lei, emanado da Presidência do Conselho de Ministros sob o n.º 95/2006.

Directiva que deveria ter sido transposta para o ordenamento jurídico pátrio até 9 de Outubro de 2004, mas que, como é usual, só o fez mais de ano e meio depois, com reflexos na situação dos consumidores lesados pelos procedimentos das instituições de crédito e sociedades financeiras que operavam em determinados segmentos mediante procedimentos assaz agressivos.

  1. CONCEITOS

Por serviço financeiro se entende “qualquer serviço bancário, de crédito, de seguros, de pensão individual, de investimento ou de pagamento.”

E, concomitantemente, os mais conceitos no tema imbricados traduzem-se, consoante a directiva europeia e a lei de transposição, como segue:

  • Contrato à distância é “qualquer contrato relativo a serviços financeiros, celebrado entre um prestador e um consumidor, ao abrigo de um sistema de venda ou prestação de serviços à distância organizado pelo prestador que, para esse contrato, utilize exclusivamente um ou mais meios de comunicação à distância, até ao momento da celebração do contrato, inclusive”
  • Já "prestador" é qualquer pessoa singular (física) ou colectiva (jurídica), privada ou pública, que, no âmbito das suas actividades comerciais ou profissionais, seja o prestador contratual de serviços objecto de contratos à distância.
  • "Consumidor" é conceito restrito, como, em geral, ocorre no ordenamento jurídico europeu: “qualquer pessoa singular que, nos contratos à distância, actue de acordo com objectivos que não se integrem no âmbito da sua actividade comercial ou profissional”.
  • "Meio de comunicação à distância": qualquer meio que possa ser utilizado, sem a presença física e simultânea do prestador e do consumidor, para a comercialização à distância de um serviço entre essas partes;
  • "Suporte duradouro": qualquer instrumento que permita ao consumidor armazenar informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas, de um modo que, no futuro, lhe permita um acesso fácil às mesmas durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que permita a reprodução inalterada das informações armazenadas;
  • "Operador ou prestador de um meio de comunicação à distância": qualquer pessoa singular ou colectiva, privada ou pública, cuja actividade comercial ou profissional consista em pôr à disposição dos prestadores um ou mais meios de comunicação à distância
  1. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS

Irrenunciabilidade é a característica de direitos, como os que neste passo se reconhecem aos consumidores, dotados de uma imperatividade absoluta.

O que quer significar que estes direitos não são negociáveis.

O consumidor não pode, pois, renunciar aos direitos que lhe são neste passo conferidos

II

COMUNICAÇÕES NÃO SOLICITADAS (SPAM)

SERVIÇOS FINANCEIROS NÃO SOLICITADOS

  1. COMUNICAÇÕES NÃO SOLICITADAS

O envio de mensagens relativas à prestação de serviços financeiros à distância cuja recepção seja independente da intervenção do destinatário, nomeadamente por via de sistemas automatizados de chamada, por telecópia ou por correio electrónico, carece do consentimento prévio do consumidor.

O envio de mensagens mediante a utilização de outros meios de comunicação à distância que permitam uma comunicação individual apenas pode ter lugar quando não haja oposição do consumidor manifestada nos termos previstos em legislação ou regulamentação especiais.

As comunicações a que se referem os números anteriores, bem como a emissão ou recusa de consentimento prévio, não podem gerar quaisquer custos para o consumidor.

  1. SERVIÇOS FINANCEIROS NÃO SOLICITADOS

É proibida a prestação de serviços financeiros à distância que incluam um pedido de pagamento, imediato ou diferido, ao consumidor que os não tenha prévia e expressamente solicitado.

O consumidor a quem sejam prestados serviços financeiros não solicitados não fica sujeito a qualquer obrigação relativamente a esses serviços, nomeadamente de pagamento, considerando-se os serviços prestados a título gratuito.

O silêncio do consumidor não vale como consentimento para efeitos do número anterior.

O disposto precedentemente  não prejudica o regime da renovação tácita dos contratos, se for obviamente o caso.           

  1. IDIOMA NUMA EUROPA COM PLURALIDADE DE LÍNGUAS

Sempre que o consumidor seja português, a informação pré-contratual, os termos do contrato à distância e todas as demais comunicações relativas ao contrato são efectuadas em língua portuguesa, excepto quando o consumidor aceite a utilização de outro idioma.

Nas demais situações, o prestador deve indicar ao consumidor o idioma ou idiomas em que é transmitida a informação pré-contratual, os termos do contrato à distância e as demais comunicações relativas ao contrato.

  1. ÓNUS DA PROVA

A prova do cumprimento da obrigação de informação ao consumidor, assim como do consentimento deste em relação à celebração do contrato e, sendo caso disso, à sua execução, compete ao prestador.

São proibidas as cláusulas que determinem que cabe ao consumidor o ónus da prova do cumprimento da totalidade ou de parte das obrigações do prestador neste passo referenciadas.

  1. CONTRATOS DE EXECUÇÃO CONTINUADA

Nos contratos que compreendam um acordo inicial de prestação do serviço financeiro e a subsequente realização de operações de execução continuada, as disposições enunciadas neste registo aplicam-se apenas ao acordo inicial.

Quando não exista um acordo inicial de prestação do serviço financeiro mas este se traduza na realização de operações de execução continuada,  aplicam-se apenas à primeira daquelas operações (as informações atinentes ao prestador de serviços, ao serviço financeiro, ao contrato, mecanismos de protecção, v,g., meios alternativos de resolução de litígios e indicações adicionais)

Sempre que decorra um período superior a um ano entre as operações a que se alude no passo precedente, as enunciadas informações serão aplicáveis à primeira operação realizada após tal intervalo de tempo.

III

INFORMAÇÕES

  1. INFORMAÇÃO pré-contratual

Meio ou suporte: A informação constante do presente título e os termos do contrato devem ser comunicados em papel ou noutro suporte duradouro disponível e acessível ao consumidor, em tempo útil e antes de este ficar vinculado por uma proposta ou por um contrato à distância.

Suporte duradouro: Considera-se suporte duradouro aquele que permita armazenar a informação dirigida pessoalmente ao consumidor, possibilitando no futuro, durante o período de tempo adequado aos fins a que a informação se destina, um acesso fácil à mesma e a sua reprodução inalterada.

Suporte papel: O consumidor pode, a qualquer momento da relação contratual, exigir que lhe sejam fornecidos os termos do contrato em suporte de papel.

Oportunidade: Se a iniciativa da celebração do contrato partir do consumidor e o meio de comunicação à distância escolhido por este não permitir a transmissão da informação e dos termos do contrato, tal como se define precedentemente, o prestador deve cumprir estas obrigações imediatamente após a celebração do mesmo.

Requisito fundamental: clareza / transparência: A informação a que se alude neste passo deve identificar, de modo inequívoco, os objectivos comerciais do prestador e ser prestada de modo claro e perceptível, de forma adaptada ao meio de comunicação à distância utilizado e com observância dos princípios da boa-fé.

  1. INFORMAÇÃO: atinente ao prestador de serviços

Deve ser prestada ao consumidor informação alusiva ao prestador do serviço:

  • Identidade e actividade principal do prestador, sede ou domicílio profissional onde se encontra estabelecido e qualquer outro endereço geográfico relevante para as relações com o consumidor;
  • Identidade do eventual representante do prestador no Estado-membro da União Europeia de residência do consumidor e endereço geográfico relevante para as relações do consumidor com o representante;
  • Identidade do profissional diferente do prestador com quem o consumidor tenha relações comerciais, se existir, a qualidade em que este se relaciona com o consumidor e o endereço geográfico relevante para as relações do consumidor com esse profissional;
  • Número de matrícula na conservatória do registo comercial ou outro registo público equivalente no qual o prestador se encontre inscrito com indicação do respectivo número de registo ou forma de identificação equivalente nesse registo;
  • Indicação da sujeição da actividade do prestador a um regime de autorização necessária e identificação da respectiva autoridade de supervisão.

Nota:

As disposições aplicáveis aos prestadores de serviços financeiros são extensíveis, com as devidas adaptações, aos intermediários que actuem por conta daqueles, independentemente do seu estatuto jurídico e de estarem, ou não, dotados de poderes de representação.

  1. INFORMAÇÃO: alusiva ao serviço financeiro

Deve ser prestada ao consumidor, de análogo modo, informação sobre o serviço financeiro:

  • Descrição das principais características do serviço financeiro;
  • Preço total devido pelo consumidor ao prestador pelo serviço financeiro, incluindo o conjunto das comissões, encargos e despesas inerentes e todos os impostos pagos através do prestador ou, não podendo ser indicado um preço exacto, a base de cálculo do preço que permita a sua verificação pelo consumidor;
  • Indicação da eventual existência de outros impostos ou custos que não sejam pagos através do prestador ou por ele facturados;
  • Custos adicionais decorrentes, para o consumidor, da utilização de meios de comunicação à distância, quando estes custos adicionais sejam facturados;
  • Período de validade das informações prestadas;
  • Instruções relativas ao pagamento;
  • Indicação de que o serviço financeiro está associado a instrumentos que impliquem riscos especiais relacionados com as suas características ou com as operações a executar;
  • Indicação de que o preço depende de flutuações dos mercados financeiros fora do controlo do prestador e que os resultados passados não são indicativos dos resultados futuros.     
  1. INFORMAÇÃO: pertinente ao contrato

Deve ser prestada ao consumidor informação pertinente ao contrato à distância:

  • A existência ou inexistência do direito de retractação [o de dar o dito por não dito], legalmente previsto, com indicação da respectiva duração, das condições de exercício, do montante que pode ser exigido ao consumidor, de acordo com o estatuído, e das consequências do não exercício de tal direito;
  • As instruções sobre o exercício do direito de retractação, designadamente quanto ao endereço, geográfico ou electrónico, para onde deve ser enviada a notificação deste;
  • A indicação do Estado membro da União Europeia ao abrigo de cuja lei o prestador estabelece relações com o consumidor antes da celebração do contrato à distância;
  • A duração mínima do contrato à distância, tratando-se de contratos de execução permanente ou periódica;
  • Os direitos das partes em matéria de extinção antecipada ou unilateral do contrato à distância (no decurso do período de vigência), incluindo as eventuais penalizações daí decorrentes;
  • A lei aplicável ao contrato à distância e o tribunal competente previstos nas cláusulas contratuais.

A informação sobre obrigações contratuais a comunicar ao consumidor na fase pré-contratual deve ser conforme à lei presumivelmente aplicável ao contrato à distância.

  1. INFORMAÇÃO alusiva aos mecanismos de protecção

Deve ser prestada ao consumidor informação atinente a determinados  mecanismos de protecção, a saber:

  • Sistemas de indemnização aos investidores e de garantia de depósitos;
  • Existência ou inexistência de meios extrajudiciais de resolução de litígios e respectivo modo de acesso.
  1. INFORMAÇÃO ADICIONAL

O disposto precedentemente não prejudica os requisitos de informação prévia adicional previstos na legislação reguladora dos serviços financeiros.

Devem ser observadas regras especiais no que tange ao regime jurídico da prestação de serviços, conforme um outro diploma legal que transpõe para o ordenamento interno a Directiva Serviços (Decreto-Lei 307/2009).

  1. INFORMAÇÃO SE AS COMUNICAÇÕES O FOREM POR VIA VOCAL

Se o contacto com o consumidor for  estabelecido por telefonia vocal, o prestador deve indicar inequivocamente, no início da comunicação, a sua identidade e o objectivo comercial do contacto.

Perante o consentimento expresso do consumidor, o prestador apenas está obrigado à transmissão da informação que segue:

  • Identidade da pessoa que contacta com o consumidor e a sua relação com o prestador;
  • Descrição das principais características do serviço financeiro;
  • Preço total a pagar ao prestador pelo serviço financeiro, incluindo todos os impostos pagos através do prestador, ou, quando não possa ser indicado um preço exacto, a base para o cálculo do preço que permita a sua verificação pelo consumidor;
  • Indicação da eventual existência de outros impostos ou custos que não sejam pagos através do prestador ou por ele facturados;
  • Existência ou inexistência do direito de retractação [dar o dito por não dito], com indicação, quando o mesmo exista, da respectiva duração, das condições de exercício e do montante que pode ser exigido ao consumidor no caso do seu exercício

O prestador deve ainda comunicar ao consumidor a existência de outras informações e respectiva natureza que, nesse momento, lhe podem ser prestadas, caso este o pretenda.

O disposto precedentemente não prejudica o dever de o prestador transmitir as informações que no caso couberem no decurso de vigência do contrato.

IV

DIRECTO DE RETRACTAÇÃO

[o direito de dar o dito por não dito]

  1. O DIREITO DE DAR O DITO POR NÃO DITO: O consumidor tem o direito de pôr termo livremente ao contrato à distância, sem necessidade de indicação do motivo e sem que possa haver lugar a qualquer pedido de indemnização do prestador de serviço ou de penalização do consumidor.

Num contrato à distância relativo a um determinado serviço financeiro a que esteja de alguma forma anexado um outro contrato à distância relativo a serviços financeiros prestados por um prestador ou por um terceiro com base num acordo com este, o contrato anexo considera-se automática e simultaneamente extinto, sem qualquer penalização, desde que o consumidor exerça o direito de retractação nos termos precedentemente enunciados.

  1. O PRAZO:O prazo de exercício do direito de retractação (ou de desistência) é de 14 dias, excepto para contratos de seguro de vida e relativos à adesão individual a fundos de pensões abertos, em que o prazo é de 30 dias.

2.1.COMO SE CONTA O PRAZO EM GERAL: O prazo para o exercício do direito de retractação conta-se a partir da data da celebração do contrato à distância, ou da data da recepção, pelo consumidor, dos termos do mesmo e das informações, se esta for posterior.

2.2.COMO SE CONTA O PRAZO NO CONTRATO DE SEGURO DE VIDA: O prazo para a retractação, neste particular, conta-se a partir da data em que o tomador do seguro for informado da celebração do mesmo.

  1. EXERCÍCIO DO DIREITO DE RETRACTAÇÃO: Deve ser notificado ao prestador por meio susceptível de prova e de acordo com as instruções constantes da lei

A notificação feita em suporte de papel ou outro meio duradouro disponível e acessível ao destinatário considera-se tempestivamente efectuada se for enviada até ao último dia do prazo, inclusive.

  1. EXCEPÇÕES

O direito de retractação [o de dar o dito por não dito] não é aplicável nas seguintes hipóteses de facto:

  • Prestação de serviços financeiros que incidam sobre instrumentos cujo preço dependa de flutuações do mercado, insusceptíveis de controlo pelo prestador e que possam ocorrer no período de retractação;
  • Seguros de viagem e de bagagem;
  • Seguros de curto prazo, de duração inferior a um mês;
  • Contratos de crédito destinados à aquisição, construção, conservação ou beneficiação de bens imóveis;
  • Contratos de crédito garantidos por direito real que onere bens imóveis;
  • Contratos de crédito para financiamento, total ou parcial, do custo de aquisição de um bem ou serviço cujo fornecedor tenha um acordo com o prestador do serviço financeiro, sempre que ocorra a resolução do contrato de crédito;
  •  Contratos de crédito para financiamento, total ou parcial, do custo de aquisição de um direito de utilização a tempo parcial de bens imóveis, cujo vendedor tenha um acordo com o prestador do serviço financeiro, sempre que ocorra a resolução do contrato de crédito nos termos da legislação aplicável (DL 275/93).
  1. CADUCIDADE PELO NÃO EXERCÍCIO: O direito de retractação caduca quando o contrato tiver sido integralmente cumprido, a pedido expresso do consumidor, antes de esgotado o prazo para o respectivo exercício.
  1. EFEITOS DO EXERCÍCIO DO DIREITO: Extingue as obrigações e direitos decorrentes do contrato ou operação, com efeitos a partir da sua celebração.

Nos casos em que o prestador tenha recebido quaisquer quantias a título de pagamento dos serviços, fica obrigado a restituí-las ao consumidor no prazo de 30 dias contados da recepção da notificação da retractação.

O consumidor restitui ao prestador quaisquer quantias ou bens dele recebidos no prazo de 30 dias contados do envio da notificação da retractação-

O disposto nos dois passos precedentes e no subsequente  não prejudica o regime do direito de renúncia previsto para os contratos de seguros e de adesão individual a fundos de pensões abertos.

  1. INÍCIO DA EXECUÇÃO DO CONTRATO NO DECURSO DO PRAZO DE RETRACTAÇÃO: O consumidor não está obrigado ao pagamento correspondente ao serviço efectivamente prestado antes do termo do prazo de retractação.

Exceptuam-se os casos em que o consumidor tenha pedido o início da execução do contrato antes do termo do prazo de retractação, caso em que o consumidor está obrigado a pagar ao prestador, no mais curto prazo possível, o valor dos serviços efectivamente prestados em montante não superior ao valor proporcional dos mesmos no quadro das operações contratadas.

O pagamento referido no passo precedente só pode ser exigido caso o prestador prove que informou o consumidor do montante a pagar, como o prescreve a lei.

PROCON RS